O meu vizinho – 5
A propósito das recentes eleições presidenciais francesas e
dos seus surpreendentes resultados, o meu vizinho debitou-me o seguinte:
“Sabe, vizinho: Dizem que as pessoas se fartaram da
democracia representativa, que já não acreditam nos seus valores e daí os
fenómenos “populistas” que surgem por aí… Acho que não perceberam nada. A
democracia tem sido, até ao presente, não o poder do povo mas o poder dos
partidos. Devia antes chamar-se partidocracia em vez de democracia. É um estratagema
habilidoso para alguém chegar ao poder. Consiste em cair nas graças dos
superiores dum dado clã, que supostamente representa o povo ou parte dele. Os candidatos começam por vender autocolantes,
com entusiasmo e dedicação, e logo passam
às nobres tarefas de colar cartazes ou de fazer segurança. Quem grita mais
alto, quem manifesta mais fervor, quem recolhe mais fundos, tem vantagem. Se tudo correr bem passa então a chefiar um
setor, depois um outro maior e por aí a fora. Ganham curriculum e a “confiança
do aparelho”. Quem for persistente e suficientemente forte para engolir sapos mas
também para se tornar sapo, está a um passo de saltar para o poder. É assim que
se chega a presidente ou a primeiro-ministro, sem nunca arriscar um chavo que
seja seu, sem nunca dirigir uma empresa que tenha criado, sem nunca tarimbar
num emprego. Salvo, temporariamente, claro, se for necessário para “enriquecer”
o curriculum próprio…
As pessoas já não acreditam neste sistema e, de facto,
querem democracia, mas não têm forma de a escolher, nem sabem como fazer. Só sabem
que não querem o que têm. É difícil de dizer que são a favor de alguma coisa. O
mais certo é serem contra tudo.
Mas isto há de passar - desfechou o meu vizinho - O pessoal, mais tarde
ou mais cedo, sempre aprenderá alguma coisa.”
E desta forma se despediu.
Daniel D. Dias