quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Novo desporto radical



Quando nos finais do século XX o filósofo Roger Garaudy  -, resistente anti nazi, destacado militante marxista e membro do Partido Comunista Francês, (do qual acabaria expulso aquando da invasão da Checoslováquia pelas tropas da União Soviética) -, declarou aderir ao islamismo numa atitude de provocação intelectual a um ocidente que ele considerava decadente e corrupto, não era certamente o islamismo dos membros do chamado Estado Islâmico ou da Al-Qaeda que tinha em mente.

As grandes religiões sempre foram pretexto para ações de todos os tipos, das mais nobres às mais retrógradas, e o Islão não é exceção. Quando na Baixa Idade Média o poder dominado pela cristandade queimava nas fogueiras do obscurantismo a sabedoria da antiguidade clássica, os intelectuais da Idade de Ouro do Islão, preservavam esses livros e promoviam as ciências e as artes. Se não fossem eles é provável que Aristóteles, Platão, Euclides, Demócrito, não fossem hoje conhecidos no mundo. As forças (ditas) islâmicas que há poucos anos dinamitaram as milenares estátuas de Buda, no Afeganistão, obviamente nada têm a ver com as dos seus antepassados dessa Idade de Ouro do Islão.

A perceção de que as religiões podem ser usadas para o bem ou para o mal, que através dos mecanismos da fé se podem manipular multidões, especialmente em períodos de crise, levou a que a maioria dos promotores da democracia moderna advogassem o laicismo, i.e., estados onde as religiões fossem livres mas se subordinassem ao poder secular.

Na era Reagan os EUA promoveram o extremismo religioso para minar o que consideravam ser a expansão soviética. Nessa linha criaram ou ajudaram a criar a Al-Qaeda e outras organizações extremistas. Foi um terrível erro que o mundo agora paga caro. A ideia que subjazia aos promotores dessa modalidade de luta política era a de que se podia gerar monstros para combater o inimigo, pois, quando fosse necessário, seria fácil eliminá-los. A realidade mostrou que as feras treinadas para combate não reconhecem os donos. Mas, apesar das crescentes evidências e ameaças, esses jogos de guerra continuam a ser alimentados. Na Líbia – cujo Índice de Desenvolvimento Humano, atribuído pela ONU, era o maior do continente africano e superior ao de muitos países europeus, antes da queda de Kadhafi – a intervenção da NATO apoiando mercenários, jihadistas, membros da Al-Qaeda, de várias proveniências, mergulhou o país na ingovernabilidade e no caos. Milhões de pessoas procuram agora refúgio nos países vizinhos ou na Europa. Muitas acabam morrendo no Mediterrâneo ou às mãos de fanáticos “religiosos”, sedentos de poder.  O Iraque, que regista milhões de refugiados e centenas de milhares de mortos após a intervenção orquestrada por Bush e seus aliados, o caos instalado dá origem a um anacrónico Estado Islâmico, que cresce em grande parte graças ao apoio dado aos rebeldes anti Bashar al-Assad apoiados pelos EUA e CE, em especial, o UK e a França. Este apoio dado conscientemente a militantes da Al-Qaeda, vindos da Líbia, da Jordânia, do Kosovo, e de outros países, designadamente da CE, Austrália e EUA, sob o pretexto duma Primavera Árabe, libertadora. Sabe-se agora, que esta Primavera Árabe, aparentemente espontânea, foi liderada e promovida por John McCain, candidato republicano às últimas eleições presidenciais americanas, que já havia contribuído para a destruição da Jugoslávia, apoiando movimentos radicais, sob um pretexto semelhante.

O extremismo baseado em ideias “religiosas” é algo antigo que parece absurdo ainda proliferar e crescer numa época de conhecimento e informação como a nossa. Mais: Dá ideia que tal “métier” se está a transformar numa espécie de novo desporto radical que atrai uma juventude - desencantada, frustrada, desempregada, alienada, revoltada -, gerada nesta sociedade dita civilizada e de consumo, que procura no holiganismo e no terrorismo um sentido para a existência.

Daniel D. Dias



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