Os atuais acontecimentos da
Grécia evidenciam que é a “realpolitik” que domina. A ideia de ética –
democrática ou outra - está totalmente ausente, ou, se se quiser, está
totalmente subordinada aos interesses geoestratégicos dominantes. É óbvio que o
que está em jogo é aproveitar a Grécia para dar uma segunda vida à direita que
subiu ao poder com a crise na Europa, designadamente em Portugal e na Espanha,
e para mostrar quem manda. O
favorecimento da extrema direita fascista que esta política promove, em toda a
linha e por todo o lado, parece não preocupar minimamente os eurocratas que
controlam – sem escrutínio democrático! – as cada vez mais ineficazes
instituições europeias. O que é preciso é conservar o poder, para construir
velhos sonhos imperiais… Antigos fantasmas renascem dum passado não assim tão
distante.
As pessoas vivem distraídas e
não percebem que o que se passa é um certo renascimento alemão que há muito vem
a ser preparado. Já nos anos 70 a Alemanha Ocidental exibia as suas aspirações
de dominância – por exemplo em projetos internacionais, ou em grandes feiras -
que só não iam mais longe por causa das limitações que a sua zona leste
“ocupada” implicava. Com o providencial desmantelamento da URSS, a troco de
nada – traindo sem vergonha promessas feitas a Gorbachev – a Alemanha ganha um
novo fôlego e duma penada inicia o controle da Europa. Aproveita a morte de
Tito para iniciar o desmantelamento da Jugoslávia, abrindo ligações aos velhos
aliados germanófilos – Eslovénia e Croácia. A guerra dos Balcãs é um dos
grandes crimes do século XX, com responsáveis bem definidos ainda no ativo. Uma
guerra apoiada nos dinheiros e estratégias alemãs, conduzida pela NATO, numa
aliança espúria EUA-Alemanha.
Logo após a unificação alemã
(paga com dinheiros europeus, é bom que se recorde, na altura os deficits
excessivos não constituíam problema), a Europa Social deixou de interessar. Só
importava mostrar a superioridade do “modelo social europeu”, enquanto o “Bloco
de Leste” era uma potencial ameaça e um concorrente. Valia tudo: até um Papa
foram desencantar no Leste para minar as fragilidades da decadente URSS… A
partir do momento em que fábricas gigantescas do leste passaram para mãos
alemãs e americanas a troco da manutenção dos postos de trabalho, em que uma nova
“numenklatura” russa passou a enviar para os bancos americanos e ingleses os
esbulhos feitos na ex URSS, o estado social europeu deixou de ser uma
prioridade. O Euro, feito à medida para a Alemanha – até tinha o mesmo valor do
marco alemão – era a peça que faltava para dominar a Europa. Claro havia a
França, a Itália, e um pouco o Reino Unido, mas isso são obstáculos que os
alemães já estavam habituados a contornar. Com a ajuda dos democratas cristãos
nada há que não se consiga. Mais tarde ou mais cedo a autoridade germânica
haveria de se impor. Percebe-se agora que o
fantasma do “Lebensraum”, - do “espaço vital” alemão -,
nunca morreu nem foi esquecido… Só mudaram as táticas muito com a ajuda
do “amigo americano”. Anos a fio prepararam os povos europeus com os seus
milagres económicos e tecnológicos, exibiram a sua tenacidade e disciplina, e
treinaram massivamente “gauleiters” que
agora estão por todo lado, nesta Europa, a exercer o poder em nome da Alemanha.
Genialidade, não há dúvida, duma Alemanha, que, talvez ninguém já perceba,
continua oficialmente a ser um país ocupado pelos vencedores da Guerra – EUA,
UK e a França. Afinal a Alemanha só foi libertada pelo principal vencedor da
Guerra - a Rússia -, mas parece que esse facto se tornou num incentivo para
colocar de novo esse pais na categoria de inimigo principal… Estarão esquecidos
da história?
A Grécia foi obviamente
humilhada, pelas instituições europeias às ordens da Alemanha, mas na realidade
quem foi verdadeiramente humilhada foi toda a Europa e em especial a esquerda
europeia. Esquerda, que afinal, acaba por colher os resultados da sua
inabilidade e contradições crónicas. Em 60 anos de pós guerra, nunca encontrou
plataformas comuns de ação, nunca demonstrou uma nesga da sua natureza internacionalista.
A direita da Europa governa à vontade pois encontra sempre formas de sobreviver
à custa duma esquerda que promove a divisão entre si, que empurra setores
sociais pouco politizados ou amplas camadas das classes médias para os
equívocos braços da direita.
Com Marx nasceu a ideia de
que, conhecendo a “mecânica” do processo histórico, a inevitabilidade de
esperar que um modo de produção se esgote para iniciar um outro mais avançado,
poderia ser antecipado. Para tanto bastavam criar organizações políticas (de
esquerda) que entendessem esta realidade e que, através de alianças hábeis,
tomassem o poder e desse modo lograriam abreviar os sofrimentos da humanidade.
Mas não foi isso que temos assistido, pelo menos por aqui, na Europa. Desde há
anos que se impunham posições comuns, coordenadas, das organizações de
esquerda. Mas nada vemos de substancial. Pelo contrário: assistimos a uma luta
feroz entre organizações de esquerda para reduzir a influência de outras
organizações congéneres nas eleições em que participam… Onde para o
internacionalismo, a solidariedade, a superioridade moral da esquerda? Quem se
lembra das “frentes populares” que atrasaram os avanços dos nazistas e que, em
alguns casos, os derrotaram?
É caso para dizer: com as
atuais esquerdas as direitas podem fazer o que quiserem. Na América Latina
parece que as esquerdas começaram a aprender alguma coisa mas aqui na Europa,
tarda, tarda. Que será preciso para aprender? Uma nova guerra?
Daniel D. Dias
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