É sabido que a ideia da
democracia fascina porque é entendida como o regime das liberdades e da
igualdade. Há décadas que se divulga esta ideia de modo tão simplista e
sistemático que o público já a interiorizou sem discussão. Em democracia (pelo
menos formalmente) todos têm mais direitos e garantias de tratamento
igualitário do que em qualquer outro regime. Mas como explicar que as
democracias vigentes registem tantas e tão enormes desigualdades entre os seus
cidadãos, não se distinguindo frequentemente dos regimes não democráticos? A
explicação mais comum é que tal facto é consequência da “livre iniciativa” que
é um dos principais apanágios da democracia. Esta apregoada característica da
democracia é pródiga a gerar oportunidades e em consequência, são favorecidos
os mais audazes, os mais criativos, os mais trabalhadores… Naturalmente, os que
não arriscam, os que não têm criatividade, os que trabalham pouco, são penalizados.
Mas será assim mesmo? As
diferenças de qualidade entre humanos - uma convicção tão cara aos adeptos das “raças
superiores” ou do “darwinismo social”, que, descarada ou sub-repticiamente, continua
a proliferar -, será tão real que as desigualdades que se registam no mundo, e
que não param de se agravar, são mesmo resultado dessa “livre iniciativa”, que
está aí, disponível ao alcance de todos?
Pode admitir-se “de jure” que
“os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” – como proclama
o artigo 1º da Declaração Universal do Direitos do Homem, adotada pelas Nações
Unidas em 1945 -, mas nunca nascerão “de facto” em condições de igualdade. Uns nascem
de famílias estruturadas; outros nascem sem pai, ou são abandonados à nascença.
Uns nascem num ambiente cultural estável, enriquecedor; outros são filhos de
famílias incultas ou analfabetas. Uns nascem em casas higiénicas e confortáveis,
outros nascem em pardieiros insalubres e inseguros. Uns já são ricos quando
nascem; outros são filhos de desempregados que vivem na miséria… Por isso a
ideia de que basta haver democracia para haver igualdade é profundamente
hipócrita e falsa. Para que a democracia seja, de facto, o “governo do povo e
para o povo” e que assegure “o maior bem para o maior número”, é preciso que
não se limite ao sufrágio universal e à igualdade perante a lei. É preciso também
que crie condições de igualdade à partida. Seja através do Estado Social, seja
através doutro qualquer modelo político humanista, é imprescindível que a
democracia assegure também as condições base da existência – segurança,
alimentação, saúde, educação, habitação – de forma generalizada e igualitária.
Só depois deste pressuposto assegurado é que se poderá afirmar que existem condições
para o exercício duma verdadeira competividade.
Todavia os seres humanos não
são de facto iguais. As doutrinas que até agora promoveram o igualitarismo deram
mau resultado. Remunerar por igual o que se esforça e o preguiçoso não estimula
o aperfeiçoamento nem a dedicação ao trabalho. Cada ser humano é um caso, e
como tal deve ser tratado. As características individuais devem ser
cuidadosamente enquadradas por forma a promover todo o potencial de que cada
ser humano portador. As especificidades dos seres humanos são desafios
estimulantes e enriquecedores. Se as condições à partida estiverem asseguradas,
os potenciais individuais surgirão e uma competitividade genuína e saudável nascerá
daí. Seguramente destacar-se-ão os melhores e alguns ficarão para trás, mas
esta clivagem, será natural, aceite por todos. Não aportará invejas,
frustração, conflitos sociais, como os que se assistem na atualidade, um pouco,
por todo o mundo.
A democracia é importante –
fundamental mesmo - mas não deve ser usada para mascarar realidades. Por
exemplo, comparar os sucessos de países ricos com os insucessos de países
pobres atribuindo-os às suas práticas democráticas, pode ser um grande equívoco.
Mas não há dúvida: A democracia deve ser aprofundada e apoiada num ambiente
social materialmente favorável, para dar resultados. Poder-se-á dizer que uma democracia
que não promova desenvolvimento é uma falsa democracia ou uma democracia em
risco de deixar de o ser. Do mesmo modo se poderá afirmar que um desenvolvimento
que não promova a democracia, que não a melhore ou se oponha a ela, é um
desenvolvimento socialmente frágil, potencialmente conflituoso.
Daniel. D. Dias
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