sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Fábula



O redil está preparado, os maiorais estão por aí, cantando, assobiando, para encantar o rebanho. As ovelhas seguem tosquiadas, a tiritar, mas balem conformadas: Agora, há menos invejas, fazem parte dum rebanho maior, magricela é certo, mas onde há sempre alguma ovelha disponível para ouvir balidos inconformados. “Qualquer dia… qualquer dia…” Alertam alguns ovinos, que fazem questão de salvaguardar a esperança. E de facto muitos continuam sonhando com pastagem viçosas onde a erva fresca nunca falta. Porém continuam retouçando cardais, dia para dia mais tísicos, ao som do chocalhar de baladas pastorais de tempos bíblicos.

O rebanho está cansado, farto de balir em vão. Resigna-se: Sempre foi assim. Os maiorais acabam sempre dominando. Há que aguentar. Mas, na sua inconformidade, vai-se consolando com pequenas coisas - tricas do quotidiano, rezas, lendas de ovelhas que venceram o pastor tirano, mitos do pastor amigo, ovelhas ronhosas que minam o rebanho… Como sempre fez aliás: É preciso ter esperança pois que não há fome que não dê em fartura. E há por aí muito rebanho a passar pior que o nosso…

Os pastores atuais são sábios. Discípulos de Skinner e Bernays sabem que o segredo está na modulação. Ovino, rato ou humano, todos são condicionáveis, susceptíveis de domesticar. No caso do bicho humano não há complicação de maior: Basta que se lhe alimentem as fantasias e que nunca se deixe contaminar pelo silêncio próprio da sua mente. Este silêncio próprio - que é o que permite pensar por si mesmo - constitui a peste mais nociva. Equivalente à “peste suína”, nos porcinos, ou à “doença das vacas loucas”, nos bovinos.

Mas os pastores confiam na sua técnica: sabem que enquanto alimentarem o ruído na cabeça das suas ovelhas elas permanecerão disponíveis para obedecer e os efeitos dessa peste serão mínimos e passageiros. Mesmo que se revoltem, mesmo que fujam, acabarão por regressar ao redil por si só. Foram habituadas de pequenas a seguir chocalhos, identificam-se como ovelhas, têm roupagem, hábitos, nomes, tradições, chips, de ovelha. Como podem conceber um mundo sem redis, que não seja dominado por pastores?


Daniel D. Dias

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