segunda-feira, 6 de janeiro de 2014
O "do" de Eusébio
O conceito de “do” universalmente presente na cultura japonesa por influência da tradição budista veiculada da antiga Índia, via China, ajuda, em meu entender, a perceber melhor o sentido da vida das pessoas. No ocidente tem proliferado a ideia de “carreira” com conotação semelhante à de “do” mas “carreira” fica muito aquém da riqueza semântica de “do”.
“Do” – literalmente “caminho”, “via” – tem pressuposto uma determinada ordem cósmica que encerra o sentido de todas as coisas e que está acessível a todos os seres através dele. Mas onde encontrar esse “caminho”? A resposta é: em todo lado, em qualquer coisa. A figura do círculo que em qualquer ponto se pode começar a percorrer, é a representação mais paradigmática que conheço.
Há caminhos mais burilados para procurar a harmonia com essa ordem cósmica, criados e trabalhados por mestres, famosos ou anónimos, ao longo de gerações. São famosas as chamadas artes marciais, todas elas contendo a partícula “do” no seu nome: KarateDO, juDO, AikiDO, mas também o ChaDO (“cerimónia do chá” ou “caminho do chá”) BushiDO (“o caminho do guerreiro”) Ikebana ou KaDO (“arranjo de flores” ou “caminho das flores”)…
A ideia fundamental a reter é a de que qualquer atividade - artística, científica, profissional, desportiva -, pode constituir um “do”. Claro que também pode constituir uma “carreira” mas a ideia de carreira não tem implícita a ideia de abranger o cosmos, de atingir o auto conhecimento, de ganhar o “dom de si” que trilhar um “do” pressupõe.
Vem este preâmbulo a propósito de Eusébio que acaba de nos deixar. Para mim ele é a demonstração perfeita de que o futebol e a sua prática, podem também ser uma via de aperfeiçoamento, de superação das nossas insuficiências, uma forma de integração nesse enigmático universo onde navega a humanidade.
Claro que o futebol pode ser uma feira de vaidades, uma carreira que enriquece alguns, um espetáculo que pode ter contornos alienantes que alguns aproveitam. Mas também pode ser um campo de virtudes e um método de aperfeiçoamento. Em rigor: também pode ser um “do” - um “futebolDO”. E, para que não haja dúvidas, mestre Eusébio – prefiro mestre a rei - está aí, com o seu exemplo de vida e de grande artista que foi.
Em sua memória deixo aqui este Haikai de Sigrid Spolzino que me parece apropriado ao momento
“Folhas caindo
lágrimas de inverno
temporárias”
Daniel D. Dias
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