segunda-feira, 4 de maio de 2015

Lições do Lucas



O Lucas é o meu neto mais novo, tem pouco mais de 2 anos e ainda fala luquês – lubês, na versão do meu outro neto, Vicente - embora eu tenha quase a certeza de que conhece a língua comum muito melhor do que dá a entender. Ele lá terá as suas razões para se expressar naquela língua muito económica em léxico mas muito ampla em semântica e ultraflexível  em sintaxe. Por exemplo: uma palavra em luquês pode ter várias significações dependendo do contexto que, como é frequente nesta fase da vida, varia num ápice dum momento para o outro. Não é uma enorme vantagem?

O Lucas é obviamente “o bebé mais bonito do mundo” – como são, aliás, todos os bebés, especialmente os mais novos -  embora tenha acanhamento em reconhecê-lo. Quando às vezes lhe faço a pergunta - só para testar a sua auto estima -, ele desvia a atenção para outro tema ou então, provocatoriamente, indica o nome de outro bebé.

O Lucas pratica luquices que são coisas que ele inventa normalmente para se divertir, aprender ou então para experimentar qualquer coisa nova.  Por vezes essas luquices servem também para passar o tempo, quando já está cansado ou quando está prestes a aborrecer-se.

Algumas dessas luquices são verdadeiras lições para mim. Reparem nesta.

Um dia destes o Lucas experimentou deitar duas bananas, boas e intactas, no caixote do lixo da reciclagem. Não fez aquilo às escondidas. Fê-lo bem à minha frente; percebia-se que se tratava duma experiência. Claro, fui logo atrás, sem alardes nem ameaças, retirar as bananas do caixote, sempre avisando que aquilo não se devia fazer: o lixo é para coisas que não prestam e as bananas estavam boas.
Lucas prestou atenção a tudo e não pareceu em nada intimidado. Uns momentos depois aproximou-se de mim, que estava sentado ocupado com outra coisa, e puxou-me delicadamente a mão. Colocou-me a palma virada para cima, tudo com imensa delicadeza, e fez o gesto de me dar uma palmadinha. Uma espécie de simulacro de castigo.  Depois, virado para mim, de indicador bem esticado pedagogicamente a abanar, admoestou-me com um veemente “Não, não!” Traduzido do luquês, tudo aquilo queria dizer: “Não se podem deitar bananas no lixo porque é mal feito e podes ser castigado por isso. Não voltes a fazer”.

Naquele momento, de repente, apercebi-me desta interessante forma que as crianças utilizam – quando podem! – para aprender regras de conduta. Um castigo – mesmo pequeno - é algo que lhes custa aceitar. Mas desde muito pequenas elas têm a noção de que algo que seja errado deve ser corrigido, o que pode implicar um receado castigo. Que fazer então? Transformar a necessária correção num jogo – numa espécie de faz de conta – com a colaboração dum adulto no qual tenham confiança. O castigo para uma criança é algo independente do prevaricador. É preciso é que o acontecimento errado ou negativo,  obtenha a devida condenação. Seja qual for a forma. A pessoa também é indiferente. É o ato que se castiga, não tem de ser a pessoa! Transferem então o ato de castigar para alguém mais apto a aprender a lição, mais capaz de “suportar” o castigo. Alguém que aprenda a lição pela criança, sem se zangar. Isto só pode ser feito com alguém de quem se gosta e em quem se tenha toda a confiança. E a criança aprende a lição, sem precisar de castigos! Inteligente não é?

A lição é esta: para uma criança ainda não contaminada por ideias “justiceiras” e “moralistas”, o ato errado é que precisa de castigo – para ser evitada a sua repetição no futuro. Não é quem comete o ato que deve ser condenado MAS O QUE FOI MAL FEITO, O QUE CORREU MAL. É por isso que quase todas as crianças apreciam que se “castigue” o sítio – dando umas palmadinhas, por exemplo, na esquina do móvel -, onde bateram acidentalmente com a cabeça…

Se os nossos pedagogos, moralistas e justiceiros, que enxameiam a sociedade, prestassem mais atenção às crianças e aprendessem mais com elas - em vez de persistirem em torná-las “civilizadas”, “educadas” e “competitivas” -, talvez o mundo estivesse mais funcional, mais justo, e, sobretudo, mais feliz.

Daniel D. Dias

domingo, 3 de maio de 2015

MERDRA!



Sinto que as pessoas desanimam, que se resignam a aceitar toda a espécie de comportamentos abusivos, desumanos, embora continuem a manifestar alguma revolta quando são ”abanados” por qualquer coisa expressiva dessa realidade. Muitas atribuem  esse estado de coisas à política, à má qualidade dos políticos, à (inevitabilidade) da corrupção, a desonestidade (intrínseca) do ser humano, à eventual decadência dos costumes, etc., etc.  Mas raramente vão além deste patamar.

Perdoem-me o desabafo mas é mesmo isto o que sinto:

As pessoas – a sua maioria pelo menos – estão sempre disponíveis para prestar toda a atenção a “fait divers” chocantes, para se indignarem com acidentes aparatosos, crianças ou animais ternurentos a ser mal tratados, denúncia de roubos, manifestações de violência doméstica, uso abusivo e descarado de bens públicos, atos de crueldade cometido por terroristas, comportamentos aberrantes, entre muitos outros. Quanto mais chocantes e brutais, maior a atenção dispensada. Até parece haver um certo gozo doentio na observação destes casos que submergem os “media” a toda o momento. Porém na prática não parecem assim tão sensíveis. Borrifam-se para  entender as origens – as causas - desses fenómenos. Não só não fazem o mais pequeno esforço para descobrir a génese dessas desgraças, como  se contentam  com as explicações simplórias que lhe são fornecidas por “especialistas” que as tratam como crianças pequenas.

Na prática as pessoas estão-se nas tintas para as causas dos problemas. É sabido que na génese da maioria dos problemas está a desigualdade de oportunidades à partida, os tratamentos discriminatórios que persistem, a educação insuficiente e desadequada, a falta de participação nas instituições públicas, a falta de organização ou a gestão deficiente. Colher informação séria (também a há disponível na internet) investigar a génese dos acontecimentos, interessar-se pela história – não por “histórias”-, avaliar criticamente o que se lê, talvez ajudasse a criar um público com massa crítica  suficiente para influenciar os acontecimentos negativos que nos assolam e eventualmente revertê-los… Conhecer é o primeiro passo para resolver qualquer problema – não é verdade? E talvez este comportamento ajudasse “a animar a malta”: Sem ânimo não chegamos a lado nenhum…

Mas a vida já é tão aborrecida, não é verdade? Porquê gastar o nosso tempinho a tentar perceber qual é a génese da corrupção ou da violência – doméstica ou de outra qualquer? Um artigo com mais de cinco linhas não e já um excesso?  Que adianta saber as razões porque elegemos políticos que sistematicamente nos desiludem? No final não vai ficar tudo na mesma?

É caso para dizer: MERDRA!
(Não digo MERDA para não ofender ninguém…)

Daniel D. Dias