quinta-feira, 26 de maio de 2016

Na mesma hora



Esta borboleta
este fulgor que faísca
está viva em mim

É sonho, é memória
é ilusão
e nada é. Eu sei

E sendo nada, é tudo.

Este mim que transmigra
lá no fundo do mistério das palavras
fica em silêncio

Escuta os discursos mais descabelados
palpita, vibra com todas as emoções
mas queda silencioso

Ele sabe o valor do silêncio
fala mas sabe que no interior da sua voz
só o silêncio reina

No seu palácio de vento e nuvens
o vazio da grande luz
aquece corações:
esses que não têm perguntas
esses que apenas existem
e nem sabem que existem
e alguns, também, que apenas se deixam existir

Esta borboleta que vibra em mim
sente os raios de sol
aquece, por algum tempo,

morre e vive na mesma hora


Daniel D. Dias

domingo, 15 de maio de 2016

Temer (e) o preço das desigualdades


A clássica técnica policial de investigar a autoria dum crime começando por determinar, antes de mais, quem mais lucra com ele, é exemplar no caso do Brasil e, duma forma geral, em toda a América Latina e países Caribenhos. Que diabo, não são demasiadas coincidências e todas a apontar para o mesmo lado? Acho que não é preciso fazer um grande esforço intelectual para perceber quem lucra com a eventual derrocada dos governos que levaram ou levam a efeito políticas progressistas nos últimos quinze/ vinte anos. Quem lucra com a descida dos preços do petróleo, quem ganha com a desregulação da economia e das instituições?
O regresso às ”virtudes” do passado sempre foi uma constante quando as classes poderosas se sentem ameaçadas nos seus privilégios. Os promotores destas ideias, houve tempo, em que o tempo estava invariavelmente do seu lado. Mas creio que, atualmente, as coisas não são bem assim. Os retrocessos programados exigem hoje em dia, gestões e manutenções dispendiosas, impossíveis de suportar por muito tempo. E as lealdades entre cavalheiros de indústria também já conheceram melhores dias.
Estes movimentos fascistas ou fascizantes, que se vão implementando um pouco por todo o lado - ostensiva ou sub-repticiamente -, estão por isso condenados ao fracasso no curto ou no médio prazo. Creio que, na essência da economia mundial, há algo novo ainda não assumido, mas cada vez mais evidente: Sai cada vez mais caro gerar ou manter desigualdades do que procurar acabar com elas.
Talvez a praxis económica ainda esteja apegada a inércias do passado. As mudanças - como se sabe – não são lineares, pesam muito e são difíceis. Mas a caminhada na direção da igualdade social – estou convicto - é irreversível e imparável. Temer e o que ele representa é sem dúvida de temer. Mas Dilma, e o que ela representa, talvez ainda tenham uma palavra a dizer.
Daniel D. Dias

domingo, 8 de maio de 2016

A ameaça fascista



O fascismo é a expressão mais extrema e acabada da luta de classes. Este fenómeno está sempre latente, em menor ou menor grau, nas sociedade divididas por interesses antagónicos como é o caso de todas as conhecemos. Infelizmente décadas de progresso tecnológico e científico não lograram implantar os dois factores  capazes de travar esta doença social: a distribuição mais equitativa da riqueza gerada na sociedade, (facto que se manifesta vulgarmente na expansão da chamada classe média – as sociedades mais evoluídas têm uma classe média esmagadoramente maioritária), e a universalidade da educação pública de qualidade. Estes dois factores estão interligados e são interdependentes. O pecado original da nossa sociedade - que não se cansa de apelar à necessidade de  sermos mais competitivos – é não cuidar de assegurar - À PARTIDA - as condições básicas para concretizar esse potencial. Sem “paz, pão, educação, habitação” e  estabilidade garantidos, pelo menos ATÉ À MAIORIDADE A TODOS OS CIDADÃOS – e não apenas a alguns -, toda a competividade exibida não passa dum jogo viciado. Os mais aptos que acabam por ter sucesso, ou são fenómenos da natureza, ou tiveram algum tipo de vantagens que lhes permitiu ir mais longe. Mas a sociedade no seu todo, perde e perde muito.

O fascismo, nas suas múltiplas manifestações, (não se espere que os fascistas do seculo XXI se apresentem com indumentárias e discursos mussolinianos), resulta sempre dum excesso de pressão no equilíbrio social. É comum o fenómeno começar por uma reação excessiva das classes privilegiadas que sentem ameaçados os seus privilégios: Ou porque se lhes afigura que as classes subalternas lhe parecem pôr em causa os seus interesses, ou porque temem a ruina resultante duma concorrência descontrolada.  Mas a receita completa envolve os “media” (que elas próprias controlam)  e outras organizações de massas – certos partidos, organizações “religiosas” - que espalham o pânico e logram mesmo associar a este descontentamento – muitas vezes artificialmente empolado e induzido – as classes atingidas pela penúria: desempregados, gente forçada à marginalidade, revoltados e descontentes.

É porém  importante  que se sublinhe que o fascismo só é bem sucedido quando a ignorância política é dominante, e o povo – na sua grande massa – se apresenta desmobilizado, ou, ainda pior, dividido. É bom não esquecer que hoje em dia prolifera uma indústria do entretenimento e uma máquina de moldar opiniões, baseada na diversão e nos “media”…

A III Guerra Mundial – como (bem) dizia o Papa Francisco, há muito está em marcha. Ela ocorre em muitos pontos do mundo - exatamente neste momento -, mas parece que só uma pequena parte da humanidade entende, e se preocupa com o que se está a passar. Esta apatia ou mesmo indiferença é muito preocupante. Parece que ninguém percebe as ligações que existem entre determinados interesses – e políticas - ocidentais e as terríveis guerras que estão a ser incrementadas no Médio Oriente, na África e em certas zonas da Europa. O Estado Islâmico é apenas uma manifestação desse fascismo que avança… e que tem aliados. Alguns que até dizem combate-lo…

Mas nas Américas o fascismo também ameaça. No Sul – sob pretextos legalistas – uma a uma todas as democracias progressistas, as primeiras bem sucedidas em 500 anos! - estão sob séria ameaça. O desemprego, a miséria e a violência já são visíveis no horizonte. E o grande vizinho do norte, agora em maré de eleições – mostra uma vez mais o seu perfil tenebroso.

Que fazer?  Creio, antes de mais, que é preciso tomar consciência do que se está a passar. É preciso passar a observar com muita atenção e criticamente, toda a informação que vai chegando. Construindo uma visão clara, cada um de nós pode ajudar a esclarecer terceiras pessoas, especialmente aquelas que perdem muito com este clima de retrocesso. É também importante não reagir apenas com estados de ânimo. As emoções podem ser reações plenamente justificadas mas toldam frequentemente os raciocínio serenos, os que geram as decisões mais acertadas.

As ameaças são muitas mas creio que as forças da liberdade e do progresso acabarão por se tornar dominantes. No entanto só uma maioria de consciências cívicas, clarividentes e convictas,  poderá obviar a muito sofrimento inútil.   Faço votos para que as pessoas de boa vontade, de espírito livre, saudável e abnegado, tenham ânimo que baste para travar esta luta.


Daniel D. Dias


domingo, 1 de maio de 2016

Mãe

Mãe
é outra coisa
é outro estado da natureza

Mãe é mais que mulher
é mais que gente
é o princípio e o fim de tudo
é um perfume indefinido
uma humidade refrescante
que se cola ao corpo
que trazemos sob a pele
por toda a vida
mesmo sem darmos por isso

Secamos, envelhecemos
e essa água é a mãe que se vai
que se volatiza,
talvez no seu último esforço,
no seu último embalo
dum repouso mais profundo



Como sinto sede dessa tua água, mãe!



Daniel D. Dias