segunda-feira, 26 de maio de 2014

Dúvida



Alguém me explica para que serve a moção de censura anunciada pelo PCP -, que conta já com o voto favorável do PS de Seguro (mesmo sem conhecer o texto) -, sabendo-se de antemão que vai ser reprovada  no parlamento dominado pela "maioria" PSD/CDS?  Será para facilitar a vida ao inefável presidente Cavaco? Com uma moção de censura (garantidamente) rejeitada como pode a criatura ir contra a vontade maioritária do parlamento e convocar eleições antecipadas?

Há coisas que não entendo mesmo: Afinal a oposição quer ou não quer eleições antecipadas?


Daniel D. Dias

Rotina



Levanto-me e faço
nada pergunto senão quando quero saber
e só quero saber
quando tenho de acertar
algo que partilho com os outros

não olho para vestígios do passado
o passado só me serve
quando quero saber de onde vim
para entender o que me falta para chegar
mas não tenho pressa de chegar a nenhum lado

não me vejo ao espelho
porque esse é um gesto inútil
estou aqui por dentro de mim e sei-o bem
os que me vêm sabem como pareço
e eu nunca serei capaz de ver-me pelos seus olhos

quando me canso, paro,
brinco então, jogo, embriago-me, saboreio, venho-me,
depois deito-me e mergulho na escuridão,
adormeço
nem sombra de memória, nenhum sonho
repouso nos ternos braços da morte


Daniel D. Dias

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Votar entre sapos e cobras



Estão à vista eleições. Para já, as Europeias, que, talvez pela primeira vez, podem ter importância crucial para a Europa e para Portugal. Mas também as legislativas do próximo ano em Portugal - que poderiam eventualmente ser antecipadas, se as Europeias corressem muito mal aos energúmenos da comissão liquidatária que nos “governa”  -, o que até talvez fosse viável se o Zé não se deixasse baralhar e confundir pela algazarra que andam a fazer à sua volta e votasse bem… Percebe-se bem o frenesim que perpassa nos “media”, que, como bons reprodutores da “voz do dono”, vão aumentando a confusão, baralhando, dividindo, provocando hesitação, fazendo interiorizar que a crise era algo inevitável (e não o resultado duma política delibera e criminosa, duma agenda de retrocesso), que vivemos a cima das nossas possibilidades, que fomos salvos da bancarrota, que agora vamos começar a crescer, que os políticos são todos iguais, etc., etc….

Reina a confusão mas duma coisa tenho a certeza: na atual situação há três tipos de eleitores -dois para quem a decisão é fácil e um para quem a decisão é muito difícil. É para este último – o eleitor duvidoso, hesitante, que tenderá a abster-se ou a votar precipitadamente se lhe persistirem as dúvidas - que dedico este post.  Não é para o aconselhar em quem votar, mas para lhe sugerir uma forma – a que adotei para mim próprio – de o ajudar a vencer as suas legítimas hesitações.

Vejamos então:

Tipologia dos eleitores e o que se espera que façam

1-
Quem está de acordo com a situação atual, que acredita nas promessas da coligação que tem (des)governado o país nos últimos anos, ou que tem vantagens na atual situação.
Não há muito que saber: Estes eleitores votam na coligação que está no poder. Só se forem parvos é que o não farão… 

2-
Quem segue um cânone político, ou a orientação dum partido, sem se preocupar demasiado com a eficácia do seu voto; quem se preocupa mais em ser fiel a uma dada linha política do que aos resultados eleitorais porque acredita que esse é o procedimento correto.
Obviamente, coerentemente com os seus critérios ideológicos, estes eleitores devem votar no seu partido ou da forma que o seu partido indicar.

3-
Quem hesita em quem votar porque descrê nos partidos (da oposição) ou nos novos partidos, ou porque descrê nos políticos em geral, mas que, apesar disso, pretende ser interventivo e acha que é imperativo esta maioria de energúmenos ser afastada do poder e castigada nas urnas.

A situação destes eleitores é mais delicada. Deverão fazer uma escolha o mais racional possível - evitando opções emocionais – que tenha efeitos concretos claramente previsíveis. Devem pois procurar VOTAR ÚTIL e rejeitar liminarmente a abstenção ou o voto em branco pois constituem certamente o grupo mais numeroso de eleitores.

Mas como proceder para determinar uma escolha racional no controverso quadro político partidário atual que é a razão das suas dúvidas e hesitações?
Critérios emocionais são perigosos: Um candidato “bom” apoiado num partido com fraca implantação pode dispersar votos, acabar por reforçar as posições da direita e não chegar sequer a ser eleito. Mesmo critérios mais racionais são difíceis de aplicar no atual quadro político.

Obviando esta questão, optei por um método pouco ortodoxo mas que a meu ver conduz à melhor escolha – ou, melhor dito, conduz à escolha mais conveniente. Sigo o princípio maoista - “defende o que o inimigo ataca; ataca o que o inimigo defende”.

Assim, observo pelos “media” qual o partido/candidato que é mais atacado pela coligação que está no poder. Em termos europeus faço o mesmo: observo qual é o grupo político que o grupo de Merkel mais ataca.

Depois, a menos que surjam factores extraordinários que obriguem a rever toda a minha estratégia, o meu voto irá para o partido (candidato ou família política) que foi objeto de maior hostilidade por parte desta direita que está no poder, quer em Portugal quer na Europa - Comissão Europeia.  (Eu posso enganar-me sobre o que devo ou não devo escolher mas os meus adversários, esses, de certeza, não se enganam. Quem eles mais atacam é quem eles mais temem.)

E pronto. No final provavelmente irei engolir algum sapo mas certamente não serei engolido por nenhuma cobra. Veremos. Seja qual for o resultado destas eleições sei que vamos ter muito trabalho pela frente e que continuará a haver muita coisa para mudar.


Daniel D. Dias

Mais uma denúncia


Confirmando o que já era sabido - que a crise das dívidas soberanas era antes uma crise dos bancos e da sua vocação para a especulação e ganância - Philippe Legrain, que foi conselheiro económico de Durão Barroso, revela um pouco mais sobre esta crise numa entrevista dada ao Público   http://www.publico.pt/economia/noticia/ajudas-a-portugal-e-grecia-foram-resgates-aos-bancos-alemaes-1635405.  É uma clara denúncia  da falsidade da afirmação de que temos vivido acima das nossas possibilidades e uma demonstração, insuspeita, da grande hipocrisia dos que agora defendem que salvaram o país da bancarrota:
“As pessoas elogiam muito o sucesso do programa português, mas basta olhar para as previsões iniciais para a dívida pública e ver a situação da dívida agora para se perceber que não é, de modo algum, um programa bem sucedido. Portugal está mais endividado que antes por causa do programa, e a dívida privada não caiu. Portugal está mesmo em pior estado do que estava no início do programa.
E explica:
“…os Governos puseram os interesses dos bancos à frente dos interesses dos cidadãos. Por várias razões. Em alguns casos, porque os Governos identificam os bancos como campeões nacionais bons para os países. Em outros casos tem a ver com ligações financeiras. Muitos políticos seniores ou trabalharam para bancos antes, ou esperam trabalhar para bancos depois. Há uma relação quase corrupta entre bancos e políticos.” 

A não perder.


Daniel D. Dias

domingo, 11 de maio de 2014

Maré de poetas


Agora entendo os poetas
que são afinal os poetas de sempre -
gente que se atreve a olhar o real
esse real quotidiano, sem importância,
quase sempre trivial
que está por ai, displicente
sem pose, nem espectativa
a moldar as nossas vidas

por aí,
no labirinto das ruas,
povoadas ou sinistramente vazias
nos cantos obscuros das gavetas desarrumadas
na pulp fiction dos quiosques decadentes
no cartão debutado esquecido no bolso
na imagem desfocada da memória
desse quase momento
no rímel escorrido na deceção da noite…

por aí,
nesse mundo que ainda vibra lá fora,
vivo e brilhante
por vezes claro e até sorridente
mas que se gasta e agasta
na poeira do egoísmo cinzento
e se afunda na grande vala comum
que a humanidade
esgravata para si própria

Sim, poetas,
qualquer um o pode ser
desde que tenha a verve suficiente
e que não a deixe amarrada
a ditos de chiste,
a cânones e bibliotecas
ou a qualquer pedaço de mármore
desses que enfeitam jardins

qualquer um
desses que não tentam ser espontâneos
quando lhe pesam mais
os conceitos empolgantes
que a vontade indómita, subversiva
de espreitar pelo buraco da fechadura

poetas, sim,
gente de insights inesperados
observadora de devaneios improváveis
de assincronismos ilógicos
que reage, alegre, triste,
ou que não reage,
mas que sempre vive tudo, com surpresa
que se apercebe sempre da nudez do rei


Agora reparo
que há multidões desses poetas por aí,
que vagueiam incógnitos,
incógnitos até de si próprios

alguns atrevem-se e revelam-se,
rebelam-se,
mas a maioria segue,
vagueia insegura, hesitante,
analfabeta ou lunaticamente erudita
desajustada, incompreendida
mas sempre, sempre
sequiosa  por realidade
pornograficamente obcecada pela verdade

essa maré de poetas que vive por aí
improvisando a vida
distorcendo a sua natureza
desbaratando o seu talento
nas obras do poder pastiche dos que mandam no mundo
se vencesse a sua inércia
se acordasse do seu torpor
se não gastasse a sua energia
a dourar a vida miserável
que rói os nossos dias

poderia num ápice
derrubar os mitos que nos amarram
e reinventar este mundo onde tudo está pronto para ser reinventado
e salvar-nos da ameaça que constituímos para nós próprios

ah, se acordassem os poetas que vivem entre nós
se a letargia que os tolhe cessasse por um tempo
o mundo tornar-se-ia num lar, senão seguro, pelo menos habitável  
e felicidade deixaria de ser o nome duma mera expectativa


Daniel D. Dias

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Helicópteros



O desmantelamento da Jugoslávia começou em 1991, na Eslovénia,  com o derrube de dois helicópteros  da força aérea jugoslava pelos separatistas eslovenos que recebiam apoio e eram incentivados na sua ação pela Alemanha democrata cristã (CDU) do Chanceler Helmut Kohl. Tudo isso ocorreu apesar do compromisso formal da Comunidade Europeia e dos EUA de preservarem a unidade da República Federativa da Jugoslávia, pós Tito.

A independência da Eslovénia ocorreu pouco tempo depois deste incidente e foi prontamente reconhecida (1992) pelos EUA e CE. Inevitavelmente, como um castelo de cartas, a esta independência, seguiu-se a mais sangrenta guerra ocorrida na Europa depois da II Guerra Mundial que matou mais de 250 mil pessoas.  A Jugoslávia, dos partisans,  que se libertou do nazismo pelos seus próprios meios, que bateu o pé a Stalin,  foi assim riscada do mapa em pouco tempo.

Ontem, 1 de maio de 2014, no leste da Ucrânia “separatistas pro Rússia” derrubaram também dois helicópteros da força aérea ucraniana. Que consequências vão ter estes atos, ainda não se sabe, mas não parece que augurem nada de bom. Porém, desta vez, a Alemanha democrata cristã, agora da Chanceler Merkel, parece não estar de acordo nem apoiar.

Conclusão: Em matéria de desmantelamento de países, para a EU e EUA, parece haver separatismos bons e separatismos maus…

Daniel D. Dias