Cruzámo-nos na escada. Desta vez fui eu que iniciei a conversa, mas com receio, confesso. As conversas com o meu vizinho são com frequência muito “puxadas” e, ainda pior, empatam-me muito tempo. Mas vi a cara dele, logo pela manhã, e parecia-me pálido - esverdeado -, consumido. Algo não estava bem.
- Vizinho, bom dia. Tá visto que não descansou.
- É verdade. Mal descansei. Tenho que cortar com a televisão… Bom dia também para si.
E parecia que ia ficar por ali. Continuou a subir as escadas. Pelo que conheço dele isso não era coisa normal. Insisti.
- Foram os atentados de Paris, está visto. Não dão mais nada e as pessoas impressionam-se…
Parou.
- Não foi nada disso. – Disse de tal modo, perentório, que mudou logo de cor. A sua cara tomou um súbito tom avermelhado.
- São as mentiras dessa canalhada que me põem assim. As mentiras e o descaramento. Os atentados já não me espantam. Revoltam-me mas não me espantam. Como sabe tenho o vício dos noticiários e acompanho mais ou menos o que vai por esse mundo. E o que vejo? É rara a semana que não há carros bomba, bombas e bombistas suicidas, a explodir. Ainda há dias um avião russo explodiu no Egipto com duzentas e tal pessoas a bordo. Todos dizem que foi uma bomba e eu acredito que sim. No Líbano, na semana passada também foram mortas dezenas de pessoas noutro atentado. E os que são mortos a toda a hora no Iraque, na Síria, na Líbia, por esses mercenários criminosos, - rebeldes “bons” e rebeldes maus do “Estado Islâmico” - também contam, não acha?
Assenti com a cabeça.
- Por isso atentados já não me tiram o sono. Pelo contrário: a monotonia de passarem horas a repetir que estão espantados, chocados, com os acontecimentos sangrentos, quase me dá sono. Esta malta estava à espera de quê? Os jovens estão desempregados na casa dos 50% ou mais. A sociedade, ignora-os, discrimina-os ou trata-os como imbecis. Que futuro lhes oferece? Participação em “reality shows” onde exibem figuras ridículas; estágios, em hipermercados como caixas, em discotecas como seguranças; empregos temporários a fazer de papagaios em “call centers” , como rececionistas, como vendedores de inutilidades ou aldrabices à comissão… Ainda por cima acirram-nos com patacoadas – é preciso vencer, ser competitivo, ambicioso… Depois é o que se vê: Alguns tornam-se marginais, drogam-se, roubam, suicidam-se, outros, empregam-se como mercenários para fazer guerras, aqui ou ali, ou então vão parar ao “Estado Islâmico”... É “trabalho” que dá dinheiro que se vê e o pessoal sente-se valorizado. Ao mesmo tempo praticam uma espécie de desporto radical. Radical a sério. Que é que se espera? Até os jogos de vídeo os mentalizam para estas coisas desde putos…
- Mas então o que é que lhe fez tirar o sono? - Perguntei curioso.
- Ora, não viu? No meio daquela panóplia de declarações de solidariedade vindas de todo mundo – e das esparvoadas intervenções do Hollande a prometer isto e aquilo e que a coisa não ficará assim -, aparece-me aquela minúscula criatura do SarKozi, com a bandeira francesa por trás como se ainda fosse chefe de estado, a prometer vinganças, correções no sistema de segurança, etc. Está a esperar voltar, pelos vistos…. e voltará mesmo! Um tipo que destruiu completamente um estado - a Líbia -, que mandou matar o chefe desse estado que lhe tinha financiado a campanha eleitoral, que é suspeito de vários crimes graves, até mesmo em França, não só não está preso, como aparece nesta altura como potencial presidente e a cagar sentenças (desculpe-me a linguagem) sobre os crimes que ocorrem em França e no mundo, em grande parte por causa dele… Como é isto possível?
As carótidas do meu vizinho, à medida que falava, inchavam de indignação. Receava que rebentasse.
- Tenha calma vizinho. Algum dia a verdade virá ao de cima… - Contemporizei eu a ver se o acalmava.
- Qual quê! Acredita nisso? Os alemães com a ajuda do Clinton e da NATO, destruíram a Jugoslávia. O Bush, com o Aznar, o Blair e o Barroso, destruíram o Iraque, o Sarkozy, com Berlusconi e o Obama, destruíram a Líbia. Se fosse só isto? Mas o pior é que a mulher do Clinton – que colaborou nisto tudo – não tarda, é presidente dos EUA e o Sarkozi, não tarda volta a ser presidente de França… O Blair, por ora não precisa: já tem um tacho para “ajudar” a Palestina. E o Bush? O Obama? E os outros? Estão todos bem. Estão todos melhor. Afinal o TPI serve para quê? Só para perseguir africanos e sérvios?
- Não sei, vizinho. Não sei mesmo. Mas deixe lá. Esta vida são dois dias e essa malta também morre… Vamos tomar uma bica?
- Pois morre, pois morre… - Ficou a rezar o meu vizinho. E ignorando o meu convite, retomou a subida da escada. Lentamente, como de costume.
- Vizinho, bom dia. Tá visto que não descansou.
- É verdade. Mal descansei. Tenho que cortar com a televisão… Bom dia também para si.
E parecia que ia ficar por ali. Continuou a subir as escadas. Pelo que conheço dele isso não era coisa normal. Insisti.
- Foram os atentados de Paris, está visto. Não dão mais nada e as pessoas impressionam-se…
Parou.
- Não foi nada disso. – Disse de tal modo, perentório, que mudou logo de cor. A sua cara tomou um súbito tom avermelhado.
- São as mentiras dessa canalhada que me põem assim. As mentiras e o descaramento. Os atentados já não me espantam. Revoltam-me mas não me espantam. Como sabe tenho o vício dos noticiários e acompanho mais ou menos o que vai por esse mundo. E o que vejo? É rara a semana que não há carros bomba, bombas e bombistas suicidas, a explodir. Ainda há dias um avião russo explodiu no Egipto com duzentas e tal pessoas a bordo. Todos dizem que foi uma bomba e eu acredito que sim. No Líbano, na semana passada também foram mortas dezenas de pessoas noutro atentado. E os que são mortos a toda a hora no Iraque, na Síria, na Líbia, por esses mercenários criminosos, - rebeldes “bons” e rebeldes maus do “Estado Islâmico” - também contam, não acha?
Assenti com a cabeça.
- Por isso atentados já não me tiram o sono. Pelo contrário: a monotonia de passarem horas a repetir que estão espantados, chocados, com os acontecimentos sangrentos, quase me dá sono. Esta malta estava à espera de quê? Os jovens estão desempregados na casa dos 50% ou mais. A sociedade, ignora-os, discrimina-os ou trata-os como imbecis. Que futuro lhes oferece? Participação em “reality shows” onde exibem figuras ridículas; estágios, em hipermercados como caixas, em discotecas como seguranças; empregos temporários a fazer de papagaios em “call centers” , como rececionistas, como vendedores de inutilidades ou aldrabices à comissão… Ainda por cima acirram-nos com patacoadas – é preciso vencer, ser competitivo, ambicioso… Depois é o que se vê: Alguns tornam-se marginais, drogam-se, roubam, suicidam-se, outros, empregam-se como mercenários para fazer guerras, aqui ou ali, ou então vão parar ao “Estado Islâmico”... É “trabalho” que dá dinheiro que se vê e o pessoal sente-se valorizado. Ao mesmo tempo praticam uma espécie de desporto radical. Radical a sério. Que é que se espera? Até os jogos de vídeo os mentalizam para estas coisas desde putos…
- Mas então o que é que lhe fez tirar o sono? - Perguntei curioso.
- Ora, não viu? No meio daquela panóplia de declarações de solidariedade vindas de todo mundo – e das esparvoadas intervenções do Hollande a prometer isto e aquilo e que a coisa não ficará assim -, aparece-me aquela minúscula criatura do SarKozi, com a bandeira francesa por trás como se ainda fosse chefe de estado, a prometer vinganças, correções no sistema de segurança, etc. Está a esperar voltar, pelos vistos…. e voltará mesmo! Um tipo que destruiu completamente um estado - a Líbia -, que mandou matar o chefe desse estado que lhe tinha financiado a campanha eleitoral, que é suspeito de vários crimes graves, até mesmo em França, não só não está preso, como aparece nesta altura como potencial presidente e a cagar sentenças (desculpe-me a linguagem) sobre os crimes que ocorrem em França e no mundo, em grande parte por causa dele… Como é isto possível?
As carótidas do meu vizinho, à medida que falava, inchavam de indignação. Receava que rebentasse.
- Tenha calma vizinho. Algum dia a verdade virá ao de cima… - Contemporizei eu a ver se o acalmava.
- Qual quê! Acredita nisso? Os alemães com a ajuda do Clinton e da NATO, destruíram a Jugoslávia. O Bush, com o Aznar, o Blair e o Barroso, destruíram o Iraque, o Sarkozy, com Berlusconi e o Obama, destruíram a Líbia. Se fosse só isto? Mas o pior é que a mulher do Clinton – que colaborou nisto tudo – não tarda, é presidente dos EUA e o Sarkozi, não tarda volta a ser presidente de França… O Blair, por ora não precisa: já tem um tacho para “ajudar” a Palestina. E o Bush? O Obama? E os outros? Estão todos bem. Estão todos melhor. Afinal o TPI serve para quê? Só para perseguir africanos e sérvios?
- Não sei, vizinho. Não sei mesmo. Mas deixe lá. Esta vida são dois dias e essa malta também morre… Vamos tomar uma bica?
- Pois morre, pois morre… - Ficou a rezar o meu vizinho. E ignorando o meu convite, retomou a subida da escada. Lentamente, como de costume.
Daniel D Dias
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